quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Foto comovente provoca debate na internet

Numa época em que há muita discussão sobre o papel das mulheres na Igreja, um cardeal demonstrou o poder do respeito capturado em uma comovente foto que tem provocado aprovação entusiástica bem como críticas veementes.
A Rev. Anne Robertson era a única pastora mulher a participar de uma celebração ecumênica que comemorou o 50º aniversário de um evento histórico:  a ocasião em que o cardeal Richard Cusching discursou na Igreja Metodista, emSudbury, numa época de tensão entre católicos e protestantes, relata do jornal The Patriot Ledger.
A informação é publicada por National Catholic Reporter, 17-01-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Cardeal de Boston, Dom Sean O’Malley, frei capuchinho, surpreendeu muitas pessoas ao pedir à Rev. Robertson, uma pastora da Igreja Metodista Unida, para benzê-lo-la com óleo em um ritual ecumênico batista na Igreja Metodista Unida, em Sudbury, também segundo o jornal The Patriot Ledger.
O gesto espontâneo e genuíno quase levou a Rev. Roberston às lágrimas. Ela contou ao Huffington Post que “se sente agraciada por aquelas vezes em que as pessoas conseguem ver além daquilo que as divide e enxergam a nossa humanidade comum; neste caso, a nossa fé em comum”.
A pastora escreveu sobre a experiência em seu blog:
"Nem sempre os encontros ecumênicos são eventos acolhedores para as mulheres. A maioria de nós vivenciou muitos tipos de exclusão, mesmo dentro de nossas congregações; muitas de nós foram deixadas de lado quando tentamos nos juntar a grupos cristãos que não acreditam que as mulheres são aptas para a ordenação. E nestes grupos pode muito bem haver aqueles que não querem tal bênção advinda de algum protestante, mesmo sendo de um pastor. Eu fiquei pensativa assim que tive em mãos o vaso com o óleo.
A nossa saída em direção à sala de escuta levou-nos diretamente a passar pelo cardeal O’Malley. Felizmente, o cérebro do Tom [um religioso que acompanhava o encontro] estava mais engajado no momento, e não perdeu a oportunidade de ser ungido por alguém que poderá ser papa um dia. Tom parou em frente ao cardeal e pediu sua bênção. Parei junto dele e o cardeal O’Malley foi gentil o suficiente para me benzer também.
E então, na medida em que nós dois estávamos parados ali juntos, o cardeal olhou em meus olhos e me pediu para bênze-lo. Eu o fiz. Religiosa escocesa protestante, divorciada, ungindo o cardeal católico irlandês em frente a um banco com sacerdotes católicos e um bispo, os quais provavelmente dariam tudo para ter esta honra. Segurei os soluços durante todo o caminho até o local de volta".
Diferentes reações à foto vêm se misturando na internet, escreve o jornal The Globe. Enquanto Michael Potemra, doNational Review, aplaudiu o cardeal por “fazer ecumenismo de forma correta”, alguns bloggers conservadores católicos expressam-se dizendo estarem “chocados” pelo “ritual falso” por parte do cardeal.
Numa entrevista por telefone, a Rev. Roberston contou ao Huffington Post que o incidente a fez lembrar da verdade presente na passagem bíblica de Gálatas 3:28, de que “já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus”. E continuou: “Jesus foi ao encontro das mulheres; e isso foi uma das coisas que sempre lhe criaram problemas! Ele foi ao encontro dos intocáveis e dos vulneráveis”.
A Rev. Robertson disse ao Huffington Post que está acostumada com comentários de ódio na qualidade de mulher ministro. Entretanto, disse ela, “meus colegas no ministério vêm me dando muito apoio e a maioria tem o sentimento que, creio eu, se pretendeu ter: ir ao encontro como um símbolo de que, quaisquer que sejam as nossas diferenças, somos seres humanos servindo a Deus em nosso próprio caminho com fidelidade e que somos um neste momento”
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/527418-foto-comovente-provoca-debate-na-internet#.Ut8pIZu_blE.facebook

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Você conhece o hino Oficial da IPU do Brasil.



Você conhece o hino Oficial da IPU do Brasil? Hoje vamos postar este vídeo e a letra abaixo para que você conheça, aprenda e as próximas postagens vamos comentar a teologia desta linda canção composta pelo Rev. João Dias de Araújo quando ele, então com 36 anos, fazia mestrado em teologia de Calvino no Seminário de Princeton, nos Estados Unidos, o maestro brasileiro João Wilson Faustini, também residente naquele país, lhe sugeriu que escrevesse a letra de um hino que falasse sobre o compromisso dos cristãos contra a injustiça e a miséria social. Foi assim que nasceu, em 1967, o hino “Que estou fazendo se sou cristão?” A música é do médico e pianista presbiteriano Décio Emerique Lauretti, residente em São Paulo. Para sacudir a igreja brasileira, seria muito bom se todos os cristãos de nosso injusto país cantassem com freqüência o hino ao lado: 

Que estou fazendo se sou cristão,
Se Cristo dau-me o seu perdão?
Há muitos pobres sem lar, sem pão,
Há muitas vidas sem salvação.
Mas Cristo veio pra nos remir,
O homem todo, sem dividir:
Não só a alma do mal salvar,
Também o corpo ressuscitar.

Há muita fome no meu país,
Há tanta gente que é infeliz,
Há criancinhas que vão morrer,
Há tantos velhos a padecer.
Milhões não sabem como escrever,
Milhões de pobres não sabem ler:
Nas trevas vivem sem perceber
Que são escravos de um outro ser.

Que estou fazendo se sou cristão,
Se Cristo dau-me o seu perdão?
Há muitos pobres sem lar, sem pão,
Há muitas vidas sem salvação.
Aos poderosos eu vou pregar,
Aos homens ricos vou proclamar
Que a injustiça é contra Deus
E a vil miséria insulta os céus.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Conheça o homem que é considerado o mais feliz do mundo

Por muitos apelidado de "o homem mais feliz do mundo",  Matthieu Ricard (foto) brindou a comunidade com a sua palestra sobre os Hábitos da Felicidade numa TEDtalk de grande importância para todos os que acreditam que é importante ser feliz. Leia sem "pré-conceitos religiosos" e veja o que ele responde como lhe perguntam: "Um budista tem mais probabilidade de ser feliz do que um cristão ou ateu?"

Era para ser cientista mas acabou monge budista. Filho do filósofo Jean-François Revel e da pintora Yahne Le Toumelin, o francês Matthieu Ricard, 65 anos, cresceu no meio intelectual de Paris e doutorou-se em genética molecular. Aos 38 anos abandonou a carreira para ir viver nos Himalaias e tornar-se monge budista, mas o interesse pela ciência permaneceu.

Desde 2000 que ele é membro do Mind and Life Institute, que promove o diálogo e a investigação entre cientistas e budistas, e participa em estudos sobre a consciência e o treino da mente com investigadores de vanguarda. Numa das mais recentes, os cientistas ligaram 256 sensores ao seu cérebro enquanto meditava e as imagens mostraram o mais alto nível de atividade alguma vez registado no córtex pré-frontal esquerdo, associado às emoções positivas. A escala variava entre +0.3 a -0.3 (beatífico) e os resultados de Matthieu Ricard situaram-se fora da escala por mais de -0.45. Foi a primeira vez no mundo que isto aconteceu.


É conhecido por ser o homem mais feliz do mundo. Porquê?

Receio que isso não seja culpa minha. Um jornalista lembrou-se de usar essa expressão, mas não corresponde à verdade. Surgiu no contexto das investigações científicas sobre os efeitos da meditação feitas pelo Instituto Mind and Life Institute,  nos EUA. Fui um dos participantes, mas houve outros e, de resto, os resultados são relevantes precisamente porque não se resumem a uma pessoa.

Em que consistiram essas experiências?

Basicamente no estudo do cérebro de monges experientes em meditação. Pegamos num conjunto de pessoas que nunca tinham meditado e ensinamos-lhes técnicas de meditação budista, que praticaram por um mês. Depois usamos eletroencefalogramas e ressonâncias magnéticas para comparar a atividade do cérebro dos monges e dos meditadores recentes durante a meditação. Nos recentes havia poucas diferenças, mas nos monges a meditação sobre a compaixão ativou de forma poderosa o lobo frontal esquerdo, que é a zona do cérebro associada às emoções positivas.

Quais são as implicações dessas experiências?

Mostram que é possível modificar padrões cerebrais – aquilo a que se chama neuroplasticidade – neste caso com o objetivo de sermos mais felizes. Já sabíamos que o treino modificava o cérebro em músicos ou nos taxistas londrinos obrigados a memorizar milhares de ruas. Agora sabemos que pode desenvolver zonas associadas à felicidade e ao bem-estar.

Podemos treinar a felicidade, é isso?

Sim. A felicidade é uma habilidade e pode ser cultivada. Eu não caí em nenhuma poção mágica quando era pequeno. O que conquistei foi graças a um caminho - o Budismo - que me permitiu aprender estas técnicas. Fui um adolescente perfeitamente normal, com todas as incertezas e angústias da idade. Não tive grandes dramas, mas estava confuso e, nesse sentido, não me considerava feliz. Na altura, a minha motivação era tornar-me um ser humano melhor.

Não encontrou respostas nas tradições ocidentais?

Não digo que não existam mas não as encontrei de forma satisfatória. Uma das razões foi porque as pessoas que via a ensinar não me transmitiam a coerência que vim  a encontrar no Oriente. Não é que fossem más pessoas, mas não eram especialmente boas, por isso tornar-me iguais a elas não fazia sentido. Quando conheci o Dalai lama foi diferente. Pensei ‘Como é que ele se tornou assim?’. Aquilo interessou-me, porque ele era um exemplo vivo de que os ensinamentos budistas funcionavam.

O que é que temos de aprender exatamente?

A felicidade é uma forma de ser. Se não somos particularmente felizes temos de aprender a cultivar essa forma de ser. Tudo começa por eliminar as toxinas mentais, como o ódio, a obsessão, o ciúme, a arrogância, o orgulho o desejo, enfim, tudo o que nos torna seres disfuncionais, e cultivar as qualidades positivas que integram a felicidade, como o altruísmo, o amor, a compaixão ou a criatividade. Isto faz-se trabalhando a mente. Aos poucos alguns desses venenos mais grosseiros começam a esbater-se e o resultado é uma espécie de liberdade grande ou felicidade.

"O mundo não é um catálogo de encomenda dos nossos desejos e nunca vai ser perfeito. Se vemos a vida dessa forma estamos em sarilhos"

Esses sentimentos não são o que nos torna humanos?

A questão não é negá-los. Quando falamos de emoções positivas ou negativas não é no sentido de virtudes ou defeitos, não há aqui julgamento moral. É no sentido de que cada uma destas qualidades contribui para um sentimento de florescimento e bem-estar. Uma emoção é má se nos provoca sofrimento.

Hoje em dia nunca sente emoções negativas?

Seria arrogante dizer isso, mas posso dizer que não sinto as mais negativas como ódio. Irritação sim. Mas sinto-as com muito menos intensidade e assim que surgem estou completamente consciente delas e possuo uma serie de métodos para lidar com isso. Não as nego. Por exemplo, quando vim para aqui atrasei-me devido ao trânsito e fiquei com receio de perder o comboio, o que iria deixar várias pessoas à minha espera…

O que podemos fazer em situações dessas?

Primeiro, perceber que a ansiedade é inútil. No meu caso, não me ia deixar menos atrasado. Depois, perceber que se deixar a ansiedade encher a minha mente vou ficar num estado miserável. Uma das principais qualidades da mente é a capacidade de permanecer consciente de si mesma. Isso permite-nos tomar consciência das nossas emoções. O que é isso de estar consciente da ansiedade? É algo diferente de estar ansioso, certo? Uma mente consciente da ansiedade já não é uma mente completamente ansiosa, está ansiosa e ao mesmo tempo consciente da ansiedade, logo, já não está completamente cheia de ansiedade, há uma parte dela livre disso. Se continuarmos a a tornar a mente mais consciente, a ansiedade vai perdendo força porque deixamos de alimentá-la. Não a bloqueámos, deixámos só que se desvanecesse. Quando ficamos familiarizados com este processo, as emoções continuam a aparecer mas com menos força e gradualmente levaremos cada vez menos tempo a dissolve-las.

Cultiva-se uma espécie de desapego em relação às emoções más?

Às más e às boas. Mas é preciso ter atenção: as pessoas confundem o desapego com a indiferença e acham que se trata de não ter sentimentos, não é isso. Suponha que tem uma experiência fantástica. Isso é ótimo, não há nada de errado com o prazer, mas se começamos a agarrar-nos a ele e a transformá-lo numa necessidade, converte-se num  tormento. O que acontece quando temos condições interiores para o bem-estar, é que ganhos e perdas, prazer e dor, sucessos e falhanços perdem relevância. Então, é fantástico se as coisas correm bem, mas não é um drama se correrem mal. O nosso controlo das circunstâncias exteriores é mínimo e no fim estamos sempre à mercê das nossas mentes.

Vive num mosteiro no Nepal. Trabalhar das 9 às 5 num escritório é mais ou menos desafiante?

Claro que podem dizer que é mais fácil sendo monge, mas eu trabalho sete dias por semana no mosteiro. Gosto do que faço, não sei o que significa férias e ninguém me paga. Quando vou para a minha cela o meu trabalho é meditar, não é um emprego, mas é a minha ocupação.

Fez uma mudança  de vida radical…

Foi uma escolha. Antes de ser monge fazia investigação científica e gostava mas fui à Índia, senti-me melhor do que nunca e perguntei-me ‘Onde quero passar o resto da vida?’. Se estamos a fazer o que queremos está tudo bem. Hoje vivo numa cela de 2,5x por 2x9m, com uma vista fantástica sobre os Himalaias. Não tenho água quente, só uma malga e duas colheres, não sinto falta de nada. Consigo apreciar quando estou numa casa confortável, mas se não estiver também estou bem. Vivi 10 anos no Butão. O meu professor ensinava a rainha-mãe e um dia ela insistiu para ir no carro dela, um carro fantástico. Então lá ia eu de carro com a rainha-mae do Butão. No dia seguinte o meu professor mandou-me de volta ao mosteiro e tive de ir nas traseiras de um camião. Eram circunstâncias diferentes mas eu não sentia ‘Uau vou num Mercedes’ num dia para me sentir infeliz por ter de ir num camião no outro. Era divertido.

Há condicionamentos biológicos para a infelicidade?

Há predisposições que, numa pequena percentagem, podem ser genéticas, mas a epigenética ensina que os genes podem ser expressos ou não, ou seja, o facto de haver um master plan, o genoma, não significa que ele seja executado. É como ter um projeto de uma casa. Quando a construímos podemos fazer alterações. Também temos de contar com o ambiente: se crescemos sem amor, com abusos, é dramático porque somos logo forçados ao sofrimento. Mas ainda assim chega  um tempo em que podemos lidar com isso. Existe sempre um potencial para a mudança.

Nas pessoas habituadas a ser infelizes esse desafio é maior?

O essencial é perceber que  é sempre possível cultivar condições que nos ajudem a ser melhores. Quando estive a estudar na Universidade de Montreal havia um professor que costumava correr quando era novo. Começou a treinar novamente e o ano passado participou na maratona. A ciência demonstrou que a neuroplasticidade cerebral – a capacidade de mudar a estrutura do cérebro – é independente da idade. As pessoas mais velhas são perfeitamente capazes de mudar os seus cérebros com o treino. No Tibete há imensas histórias de pessoas que começaram a meditar aos 80 anos com ótimos resultados.

"A felicidade é uma forma de Ser que integra qualidades como o altruísmo e a criatividade. Podemos cultivá-las"

Porque resistimos à mudança?

É um grande mistério. Acho que temos um tipo de hesitação em olhar para dentro. Conheci gente nova que me disse ‘Não quero olhar para dentro, tenho medo do que vou encontrar’. É surpreendente. Não sei o que é que têm medo, mas contei isto ao Dalai Lama e ele disse ‘Há tantas coisas interessantes lá dentro. É melhor do que ir ao cinema!’. Há um fator determinante: a inspiração. Se temos uma razão para mudar é mais fácil. Pelo contrário, o maior perigo é desistir. Por um lado, as pessoas pensam sempre que podiam estar pior, por outro admitem que há coisas que gostavam de alterar mas acham que não é possível porque já são assim há muito tempo ou  é muito difícil. Por isso é que a primeira coisa a fazer é reconhecer o potencial de mudar. Porque a verdade é que qualquer treino tem sempre um efeito. Sempre. Há um bocadinho de inércia, esse é o principal obstáculo. Depois precisamos de algum interesse, e este só aparece se virmos um benefício. No meu caso, foi conhecer um professor especial, porque vi os resultados do treino à minha frente, não tive de acreditar porque alguém me disse.

Como reverter o paradigma do ‘não sou capaz de mudar’?

Primeiro temos que refletir nos aspetos que nos mostram que é possível mudar. Dizemos que a raiva ou inveja são parte da natureza humana. Mas há muitas maneiras de ‘fazer parte’. Se algo faz parte da natureza intrínseca de outra coisa é impossível alterar isso. Mas se não fizer parte intrínseca posso fazer alterações. Por exemplo, em essência a água é H2O. Se lhe adicionar plantas fica medicinal, se juntar cianeto torna-se mortal, mas continua a ser H2O, o que lhe acrescentei não faz parte da sua essência e posso removê-lo. Há algo parecido na mente. As emoções negativas são como o cianeto e as positivas como as plantas medicinais, mas existe uma qualidade da mente independente disso que se chama Consciência Essencial ou Luz Clara da Mente. Esta qualidade essencial é o que nos permite ter consciência das nossas emoções.

Temos de encher a mente de ‘emoções medicinais’?

Sim. Por exemplo, se a raiva é o meu principal problema, qual é o oposto da raiva? Benevolência. Se eu cultivar a benevolência, enchendo a minha mente com este sentimento, talvez ele se torne mais forte e neutralize a raiva, porque os dois são mutuamente incompatíveis.

Não é possível ter emoções ambivalentes?

Não, o que chamamos emoções ambivalentes são de facto emoções contraditórias, mas não ocorrem ao mesmo tempo embora a oscilação possa ser muito  rápida. Sempre que sentimos, nem que seja por um segundo, amor e simpatia, não podemos querer fazer mal. O que há a fazer, é aumentar o tempo em que nos concentramos nas emoções positivas e isso é uma questão de treino.

A meditação tem efeitos sobre o sofrimento físico?

Há um filósofo suíço chamado Alexandre Jollien que fala disso. É uma pessoa fantástica, fabuloso filósofo, mas incapacitado fisicamente. Hoje é  um orador inspirador mas conta que todos os dias nos transportes alguém o ridiculariza. Não é fácil, ele odeia o seu corpo de certa maneira, apesar de ter ganho paz acerca disso. Nos problemas mentais pode ser mais difícil, mas a depressão é um campo onde a meditação pode ser muito poderosa. Há muitos estudos sobre isso. Obviamente é difícil começar a meditar quando se está no pico de uma depressão porque não se tem vontade, mas nas pessoas que já tiveram pelo menos dois episódios e estão realmente fartas daquilo os programas de meditação baseada na atenção plena reduziram em 40% o risco de recaída.

Se deixamos de meditar os efeitos  perduram?

Perduram porque mudaram a nossa maneira de Ser. É como andar de bicicleta. Sempre que dominamos uma nova capacidade ela fica adquirida, ainda que o treino melhore o desempenho. Para aprender a andar de bicicleta tivemos de alterar circuitos neuronais, o mesmo acontece quando meditamos. No fundo, meditar é aprender uma forma diferente de experienciar o mundo. Quando estou a trabalhar não estou a meditar, mas em quase todos os momentos uso capacidades que adquiri na meditação e assim continuo a reforçá-las. Fazendo isso a vida torna-se parte da meditação.

Muitos começam a meditar e desistem. A felicidade dá trabalho?

Sim, mas é um esforço gratificante. A meditação inicialmente pode não ser divertida. Há uma expressão de tibetana que diz “No início nada vem, no meio nada fica, no fim nada vai embora”, ou seja, no início não vemos os benefícios, é quando podemos desistir; no meio vemos alguns, mas depois deixamos de ver outra vez; no fim atingimos o objetivo e nunca mais o perdemos. O tempo destas fases varia de pessoas para pessoa, mas só o facto de começar a meditar já é raro nos dias que correm.

A felicidade faz parte da natureza humana ou foi uma conquista evolutiva?

Pessoas infelizes têm menos iniciativa e até menos interesse em reproduzir-se pelo que em termos evolutivos ser infeliz não é uma vantagem para a espécie. É um facto que em termos gerais, as pessoas dizem que, apesar de tudo, estão mais satisfeitas do que não satisfeitas com a sua vida. Não estamos sempre deprimidos porque isso não seria bom para a espécie. É o que dizem os evolucionistas.

Essa satisfação mediana não é o conceito de felicidade budista…

O meu conceito de felicidade não se limita a uma satisfação mediana nem se confunde com o conceito de prazer. O prazer depende das circunstâncias, pode contribuir para a felicidade ou ir contra ela. Adoro música clássica, mas ouvir 48 horas de chopin non stop é um pesadelo. Também podemos sentir prazer a torturar pessoas. A felicidade é quase o oposto. É algo que está ali, independentemente do sofrimento ou dos prazeres passageiros. Quanto mais nos confrontamos com os altos e baixos da vida, mais a reforçamos porque ficamos menos vulneráveis às circunstâncias exteriores.

Podemos ser felizes sabendo que outros sofrem?

A tristeza é incompatível com o prazer mas não com a felicidade. Podemos estar tristes sabendo que há pessoas a morrer à fome mas não temos de estar desesperados e podemos ficar determinados a ajudar. Neste sentido a determinação em fazer algo para acabar com o sofrimento faz parte da minha felicidade.

E é possível ser feliz quando somos vítimas de violência?

Para a felicidade é muito pior fazer mal aos outros do que nos fazerem mal a nós. Não quer dizer que temos de ser passivos se nos agredirem, mas se não pudermos evitar só temos de lidar com isso. No fundo, felicidade é usar todas as circunstâncias de forma construtiva.

Então ser infeliz é uma escolha?

É uma escolha a longo prazo, não  agora. Se algo mau acontece e não estamos treinados para lidar com isso, não temos escolha senão ficar angustiados. Podemos, a longo prazo, aprender a lidar com isso. Não temos que nos sentir cupados. A escolha que temos é começar um processo de mudança.

Vivemos em sociedades que nos fazem infelizes?

Há um estudo de Michael T. Kasser que mediu os níveis de consumismo de centenas de pessoas por 20 anos e concluiu que quanto mais alto menos felizes somos. Não se trata de um julgamento moral mas de uma constatação. A mentalidade consumista leva à procura dos prazeres imediatos, o que não traz felicidade. Atualmente os miúdos de dois anos já são inundados de anúncios. Isto é eticamente errado e um começo tortuoso para a felicidade.

Uma cultura de meditação pode criar gerações mais felizes?

Pessoas com mentes treinadas poderão fazer nascer crianças mais propensas a serem felizes. A cultura e a educação têm uma influência determinante na forma como o cérebro se começa a moldar.

Um budista tem mais probabilidade de ser feliz do que um cristão ou ateu?


Se aplicarmos os valores do amor e da compaixão chegamos ao mesmo sítio. São Francisco de Assis encarna todos os princípios budistas. O Dalai Lama disse uma vez que no budismo não achamos que exista um criador mas quem acredita tem de amar os outros, que são também produtos de Deus. Quando foi a Montserrat, na Catalunha, ver um eremita numa gruta, perguntou-lhe ‘Sobre o que tem estado a meditar na sua vida toda?’. Ele respondeu ‘No Amor’. E emanava tanto amor que o Dalai Lama ficou realmente inspirado. No fundo não há assim tanta diferença.

Portugal Mundial  com TEDtalk e www.matthieuricard.org

sábado, 4 de janeiro de 2014

GRANDES VULTOS DO PASSADO - Documentos inéditos do projeto Brasil: Nunca Mais - até agora guardados no Exterior - chegam ao País e podem jogar luz sobre o comportamento dos evangélicos nos anos de chumbo

O Projeto Brasil: Nunca Mais, o maior registro histórico sobre a repressão e tortura na ditadura militar até agora guardados no exterior chegam ao país desvendando os tempos obscuros dos protestantes históricos que sofreram tortura no país da época da ditatura militar. Essa fatídica época, faz pano de fundo para a história de fundação da IPU do Brasil, cujos ideais de justícia e liberdade sempre permearam seus líderes e idealizadores como o Rev. Zwinglio Mota Dias, 70 anos, pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. Um artigo da Isto é esclarece alguns nuances desses acontecimentos:


Fonte: revista isto é N° Edição:  2170 |  10.Jun.11
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No primeiro dia foram oito horas de torturas patrocinadas por sete militares. Pau de arara, choque elétrico, cadeira do dragão e insultos, na tentativa de lhe quebrar a resistência física e moral. “Eu tinha muito medo do que ia sentir na pele, mas principalmente de não suportar e falar. Queriam que eu desse o nome de todos os meus amigos, endereços... Eu dizia: ‘Não posso fazer isso.’ Como eu poderia trazê-los para passar pelo que eu estava passando?” Foram mais de 20 dias de torturas a partir de 28 de fevereiro de 1970, nos porões do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo. O estudante de ciências sociais da Universidade de São Paulo (USP) Anivaldo Pereira Padilha, da Igreja Metodista do bairro da Luz, tinha 29 anos quando foi preso pelo temido órgão do Exército. Lá chegou a pensar em suicídio, com medo de trair os companheiros de igreja que comungavam de sua sede por justiça social. Mas o mineiro acredita piamente que conseguiu manter o silêncio, apesar das atrocidades que sofreu no corpo franzino, por causa da fé. A mesma crença que o manteve calado e o conduziu, depois de dez meses preso, para um exílio de 13 anos em países como Uruguai, Suíça e Estados Unidos levou vários evangélicos a colaborar com a máquina repressora da ditadura. Delatando irmãos de igreja, promovendo eventos em favor dos militares e até torturando. Os primeiros eram ecumênicos e promoviam ações sociais e os segundos eram herméticos e lutavam contra a ameaça comunista. Padilha foi um entre muitos que tombaram pelas mãos de religiosos protestantes.
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O metodista só descobriu quem foram seus delatores há cinco anos, quando teve acesso a documentos do antigo Sistema Nacional de Informações: os irmãos José Sucasas Jr. e Isaías Fernandes Sucasas, pastor e bispo da Igreja Metodista, já falecidos, aos quais era subordinado em São Paulo. “Eu acreditava ser impossível que alguém que se dedica a ser padre ou pastor, cuja função é proteger suas ovelhas, pudesse dedurar alguém”, diz Padilha, que não chegou a se surpreender com a descoberta. “Seis meses antes de ser preso, achei na mesa do pastor José Sucasas uma carteirinha de informante do Dops”, afirma o altivo senhor de 71 anos, quatro filhos, entre eles Alexandre, atual ministro da Saúde da Presidência de Dilma Rousseff, que ele só conheceu aos 8 anos de idade. Padilha teve de deixar o País quando sua então mulher estava grávida do ministro. Grande parte dessa história será revolvida a partir da terça-feira 14, quando, na Procuradoria Regional da República, em São Paulo, acontecerá a repatriação das cópias do material do projeto Brasil: Nunca Mais. Maior registro histórico sobre a repressão e a tortura na ditadura militar (leia quadro na pág. 79), o material, nos anos 80, foi enviado para o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), organização ecumênica com sede em Genebra, na Suíça, e para o Center for Research Libraries, em Chicago (EUA), como precaução, caso os documentos que serviam de base do trabalho realizado no Brasil caíssem nas mãos dos militares. De Chicago, virá um milhão de páginas microfilmadas referentes a depoimentos de presos nas auditorias militares, nomes de torturadores e tipos de tortura. A cereja do bolo, porém, chegará de Genebra – um material inédito composto por dez mil páginas com troca de correspondências entre o reverendo presbiteriano Jaime Wright (1927 – 1999) e o cardeal-arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, que estavam à frente do Brasil: Nunca Mais, e as conversas que eles mantinham com o CMI.

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Somente em 1968, quatro anos após a ascensão dos militares ao poder, o catolicismo começou a se distanciar daquele papel que tradicionalmente lhe cabia na legitimação da ordem político-econômica estabelecida. Foi aí, quando no Brasil religiosos dominicanos como Frei Betto passaram a ser perseguidos, que a Igreja assumiu posturas contrárias às ditaduras na maioria dos países latino-americanos. Os protestantes, por sua vez, antes mesmo de 1964, viveram uma espécie de golpe endógeno em suas denominações, perseguindo a juventude que caminhava na contramão da ortodoxia teológica. Em novembro de 1963, quatro meses antes de o marechal Humberto Castelo Branco assumir a Presidência, o líder batista carismático Enéas Tognini convocou milhares de evangélicos para um dia nacional de oração e jejum, para que Deus salvasse o País do perigo comunista. Aos 97 anos, o pastor Tognini segue acreditando que Deus, além de brasileiro, se tornou um anticomunista simpático ao movimento militar golpista. “Não me arrependo (de ter se alinhado ao discurso dos militares). Eles fizeram um bom trabalho, salvaram a Pátria do comunismo”, diz.
Assim, foi no exercício de sua fé que os evangélicos – que colaboraram ou foram perseguidos pelo regime – entraram na alça de mira dos militares (leia a movimentação histórica dos protestantes à pág. 80). Enquanto líderes conservadores propagavam o discurso da Guerra Fria em torno do medo do comunismo nos templos e recrutavam formadores de opinião, jovens batistas, metodistas e presbiterianos, principalmente, com ideias liberais eram interrogados, presos, torturados e mortos. “Fui expulso, com mais oito colegas, do Seminário Presbiteriano de Campinas, em 1962, porque o nosso discurso teológico de salvação das almas passava pela ética e a preocupação social”, diz o mineiro Rev. Zwinglio Mota Dias, 70 anos, pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, da Penha, no Rio de Janeiro. Antigo membro do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), que promovia reuniões para, entre outras ações, trocar informações sobre os companheiros que estavam sendo perseguidos, ele passou quase um mês preso no Doi-Codi carioca, em 1971. “Levei um pescoção, me ameaçavam mostrando gente torturada e davam choques em pessoas na minha frente”, conta o irmão do também presbiteriano Ivan Mota, preso e desaparecido desde 1971. Hoje professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Dias lembra que, enquanto estava no Doi-Codi, militares enviaram observadores para a sua igreja, para analisar o comportamento dos fiéis.

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Segundo Rubem Cesar Fernandes, 68 anos, antropólogo de origem presbiteriana, preso em 1962, antes do golpe, por participar de movimentos estudantis, os evangélicos carregam uma mancha em sua história por convidar a repressão a entrar na Igreja e perseguir os fiéis. “Os católicos não fizeram isso. Não é justificável usar o poder militar para prender irmãos”, diz ele, considerado “elemento perigoso” no templo que frequentava em Niterói (RJ). “Pastores fizeram uma lista com 40 nomes e entregaram aos militares. Um almirante que vivia na igreja achava que tinha o dever de me prender. Não me encontrou porque eu estava escondido e, depois, fui para o exílio”, conta o hoje diretor da ONG Viva Rio.


O protestantismo histórico no Brasil também registra um alto grau de envolvimento de suas lideranças com a repressão. Em sua tese de pós-graduação, defendida na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Daniel Augusto Schmidt teve acesso ao diário do irmão de José, um dos delatores de Anivaldo Padilha, o bispo Isaías. Na folha relativa a 25 de março de 1969, o líder metodista escreveu: “Eu e o reverendo Sucasas fomos até o quartel do Dops. Conseguimos o que queríamos, de maneira que recebemos o documento que nos habilita aos serviços secretos dessa organização nacional da alta polícia do Brasil.” Dono de uma empresa de consultoria em Porto Alegre, Isaías Sucasas Jr., 69 anos, desconhecia a história da prisão de Padilha e não acredita que seu pai fora informante do Dops. “Como o papai iria mentir se o cara fosse comunista? Isso não é delatar, mas uma resposta correta a uma pergunta feita a ele por autoridades”, diz. “Nunca o papai iria dedar um membro da igreja, se soubesse que havia essas coisas (torturas).” Em 28 de agosto de 1969, um exemplar da primeira edição do jornal “Unidade III”, editado pelo pai do ministro da Saúde, foi encaminhado ao Dops. Na primeira página, há uma anotação: “É preciso ‘apertar’ os jovens que respondem por este jornal e exigir a documentação de seu registro porque é de âmbito nacional e subversivo.” Sobrinho do pastor José, o advogado José Sucasas Hubaix, que mora em Além Paraíba (MG), conta que defendeu muitos perseguidos políticos durante a ditadura e não sabia que o tio havia delatado um metodista. “Estou decepcionado. Sabia que alguns evangélicos não faziam oposição aos militares, mas daí a entregar um irmão de fé é uma grande diferença.”


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Nenhum religioso, porém, parece superar a obediência canina ao regime militar do pastor batista Roberto Pontuschka, capelão do Exército que à noite torturava os presos e de dia visitava celas distribuindo o “Novo Testamento”. O teólogo Leonildo Silveira Campos, que era seminarista na Igreja Presbiteriana Independente e ficou dez dias encarcerado nas dependências da Operação Bandeirante (Oban), em São Paulo, em 1969, não esquece o modus operandi de Pontuschka. “Um dia bateram na cela: ‘Quem é o seminarista que está aqui?’”, conta ele, 21 anos à época. “De terno e gravata, ele se apresentou como capelão e disse que trazia uma “Bíblia” para eu ler para os comunistas f.d.p. e tentar converter alguém.” O capelão chegou a ser questionado por um encarcerado se não tinha vergonha de torturar e tentar evangelizar. Como resposta, o pastor batista afirmou, apontando para uma pistola debaixo do paletó: “Para os que desejam se converter, eu tenho a palavra de Deus. Para quem não quiser, há outras alternativas.” Segundo o professor Maurício Nacib Pontuschka, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, seu tio, o pastor-torturador, está vivo, mas os dois não têm contato. O sobrinho também não tinha conhecimento das histórias escabrosas do parente. “É assustador. Abomino tortura, vai contra tudo o que ensino no dia a dia”, afirma. “É triste ficar sabendo que um familiar fez coisas horríveis como essa.” 


Professor de sociologia da religião na Umesp, Leonildo de Campos, 64 anos, tem uma marca de queimadura no polegar e no indicador da mão esquerda produzida por descargas elétricas. “Enrolavam fios na nossa mão e descarregavam eletricidade”, conta. Uma carta escrita por ele a um amigo, na qual relata a sua participação em movimentos estudantis, o levou à prisão. “Fui acordado à 1h por uma metralhadora encostada na barriga” Solto por falta de provas, foi tachado de subversivo e perdeu o emprego em um banco. A assistente social e professora aposentada Tomiko Born, 79 anos, ligada a movimentos estudantis cristãos, também acredita que pode ter sido demitida por conta de sua ideologia. Em meados dos anos 60, Tomiko, que pertencia à Igreja Evangélica Holiness do Brasil, fundada pelo pai dela e outros imigrantes japoneses, participou de algumas reuniões ecumênicas no Exterior. Em 1970, de volta ao Brasil, foi acusada de pertencer a movimentos subversivos internacionais pelo presidente da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, onde trabalhava. Não foi presa, mas conviveu com o fantasma do aparelho repressor. “Meu pesadelo era que o meu nome estivesse no caderninho de endereço de alguma pessoa presa”, conta. 



Parte da história desses cristãos aterrissará no Brasil na terça-feira 14, emaranhada no mais de um milhão de páginas do Projeto Brasil: Nunca Mais repatriadas pelo Conselho Mundial de Igrejas. Não que algum deles tenha conseguido esquecer, durante um dia sequer, aqueles anos tão intensos, de picos de utopia e desespero, sustentados pela fé que muitos ainda nutrem. Para seguir em frente, Anivaldo Padilha trilhou o caminho do perdão – tanto dos delatores quanto dos torturadores. Em 1983, ele encontrou um de seus torturadores em um baile de Carnaval. “Você quis me matar, seu f.d.p., mas eu estou vivo aqui”, pensou, antes de virar as costas. Enquanto o mineiro, que colabora com uma entidade ecumênica focada na defesa de direitos, cutuca suas memórias, uma lágrima desce do lado direito de seu rosto e, depois de enxuta, dá vez para outra, no esquerdo. Um choro tão contido e vívido quanto suas lembranças e sua dor.  


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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

5 coisas que pessoas de sucesso fazem antes mesmo de você acorda

Uma coisa é certa: independente do que você quer, é preciso que você aja em direção a isso. Se o sonho da sua vida é ser piloto de avião, você vai precisar estudar para conseguir – a regra se aplica a todas as profissões. Mas estudar e se dedicar nem sempre é suficiente; às vezes você precisa adotar outras táticas de sucesso se quiser alcançar grandes objetivos já dentro daquilo que você faz.
A Forbes reuniu algumas práticas comuns a pessoas de muito sucesso e, acredite, todas elas são realizadas bem cedinho, antes mesmo de dar início à rotina de trabalho em si. Entre os nomes citados pela revista estão o de Margaret Thatcher, que acordava todos os dias às 5 horas da manhã; o de Frank Lloyd Wright, que acordava uma hora mais cedo; e o CEO da Disney, Robert Iger, que pula da cama às 4h30. Essas pessoas têm alguns conselhos bem interessantes. Confira alguns deles a seguir:

1 – Exercite-se

Fonte da imagem: Pixabay
Praticar exercícios físicos antes de ir ao trabalho vai garantir mais energia e um melhor desempenho durante todo o seu dia no batente. Se você sabe que jamais vai levantar um minuto antes de a terceira soneca despertar, tente pelo menos fazer algum tipo de alongamento.

2 – Organize seu dia

Fonte da imagem: Reprodução/Cebrac
Você sabe quais são suas tarefas, certo? Tente organizá-las. Uma dica é usar um período pela manhã para fazer isso. Nessa hora as pessoas estão menos estressadas e mais serenas, então fica mais fácil conseguir saber o que você precisa fazer e em qual momento. É importante não deixar sua saúde mental de lado e reservar sempre alguns minutinhos para relaxar, respirar e dar uma volta, se possível.

3 – Tome um bom café da manhã

Fonte da imagem: Reprodução/clickemforma
Você já deve ter sentido as reclamações de seu estômago quando sai de casa sem comer nada, pega um copo gigante de café e senta diante do computador, não é mesmo? Então pare com isso. Tome seu café, mas coma alguma coisa também, de preferência um pão integral com queijo branco, alguma fruta, talvez. E pronto. Seu dia será bem melhor, acredite.

4 – Meditar

Fonte da imagem: Reprodução/pantokrator
O Salmo 131, por exemplo, não é senão calma e confiança: «Estou sossegado e tranquilo… Espera no Senhor, desde agora e para sempre!»
Por vezes a oração cala-se, pois uma comunhão tranquila com Deus pode abster-se de palavras. «Estou sossegado e tranquilo, como uma criança saciada ao colo da mãe; a minha alma é como uma criança saciada.» Como uma criança saciada que parou de gritar, junto da sua mãe, assim pode estar a minha alma na presença de Deus. Então a oração não precisa de palavras, nem mesmo de reflexões.
Como chegar ao silêncio interior? Por vezes calamo-nos, mas, por dentro, discutimos muito, confrontando-nos com interlocutores imaginários ou lutando connosco mesmos. Manter a sua alma em paz pressupõe uma espécie de simplicidade: «Já não corro atrás de grandezas, ou de coisas fora do meu alcance.» Fazer silêncio é reconhecer que as minhas inquietações não têm muito poder. Fazer silêncio é confiar a Deus o que está fora do meu alcance e das minhas capacidades. Um momento de silêncio, mesmo muito breve, é como um repouso sabático, uma santa pausa, uma trégua da inquietação.
A agitação dos nossos pensamentos pode ser comparada com a tempestade que sacudiu o barco dos discípulos, no Mar da Galileia, enquanto Jesus dormia. Também nos acontece estarmos perdidos, angustiados, incapazes de nos apaziguarmos a nós mesmos. Mas Cristo também é capaz de vir em nosso auxílio. Da mesma forma que falou imperiosamente ao vento e ao mar e que «se fez grande calma», ele pode igualmente acalmar o nosso coração quando está agitado pelo medo e pelas inquietações (Marcos 4).
Fazendo silêncio, pomos a nossa esperança em Deus. Um salmo sugere que o silêncio é mesmo uma forma de louvor. Nós lemos habitualmente o primeiro verso do Salmo 65: « A ti, ó Deus, é devido o louvor ». Esta tradução segue a versão grega, mas na verdade o texto hebreu diz: «Para Vós, ó Deus, o silêncio é louvor». Quando cessam as palavras e os pensamentos, Deus é louvado no enlevo silencioso e na admiração..

5 – Deixe o pior em primeiro lugar

Sabe aquela coisa que você precisa fazer, mas que não está com a menor disposição e vai empurrando com a barriga? A dica de ouro é: coloque essa tarefa em primeiro lugar. A lógica é bastante simples, já que assim você faz o que precisa fazer já de cara, sem choro nem cara feia, e o problema estará resolvido.  
***
E aí, o que você acha dessas dicas? Você segue alguma delas? A razão de elas serem indicadas pela manhã é simples: várias pesquisas já comprovaram que pessoas mais ativas pela parte da manhã têm mais sucesso do que aquelas que ficam acordadas até altas horas. Os nomes citados lá no começo do texto são apenas alguns exemplos disso. Na dúvida, não custa tentar acordar um pouco mais cedo.
extraído do site: megacurioso.com.br 

sábado, 28 de dezembro de 2013

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PARA INAUGURAR A RÁDIO CAPELA COM MPB DA MELHOR QUALIDADE, VAMOS BLINDAR OS NOSSOS LEITORES COM UM ARTIGO DO REV. CARLOS EDUARDO BRANDÃO CALVANI, QUE ABORDA SOBRE TEOLOGIA E MPB. VALE A PENA DEGUSTAR ESTE TRABALHO. BOA LEITURA!

Momentos de beleza – Teologia e MPB a partir de Tillich

Carlos Eduardo B. Calvani
Resumo

O presente artigo destaca a importância dos pressupostos abertos por Tillich com sua proposta de uma Teologia da Cultura, particularmente no tocante á abordagem de obras de arte. O texto apresenta brevemente os princípios metodológicos de Tillich, destacando sua abertura ao mistério. Também aponta as possibilidades abertas pela abordagem referencial bem como seus limites, buscando pistas para abordagens não-referenciais das obras de arte, a partir da única “resposta” que as mesmas podem nos oferecer: “momentos de beleza”.

Palavras chave: teologia da cultura, arte, mistério, mensagem referencial, mensagem não-referencial.


Abstract

This essay points out the importance of Tillich´s presuppositions in his theology of culture, especially in relation to the work of art. This texts shows briefly Tillich´s methodological principles with emphasis on mystery. It also deals with referential messages and their limits and looks for non-referential approaches to art works, starting from the unique answer they can offer us, i. e., “moments of beauty”.

Key words: theology of culture, art, mystery, referential message, non-referential message.


Introdução
Recentemente li dois trabalhos sobre Teologia e música. Em 2001, a revista Concilium publicou um artigo de Ola Sigurdson intitulado “Cantos do desejo: sobre música pop e a questão de Deus”. A autora, professora da Universidade de Lund, na Suécia, abordar música pop a partir da célebre frase de Agostinho: “tu nos criaste para Ti, e nosso coração estará inquieto enquanto não repousar em Ti”. A música pop, para ela, expressaria o desejo, o anseio, uma espécie de insatisfação da pessoa em relação à vida e a busca por Deus como fonte capaz de saciar a infinita fome de realização plena. Em seu artigo, Sigurdson avalia letras de canções de Madonna, Beatles, Bruce Springsten, U2 e Bon Jovi. Em 2000 foi publicado um interessante livro de Jeremy Begbie, Theology, Music and Time. O autor é músico profissional, e tem atuado em concertos como pianista, oboísta e regente. Além disso, é professor de Teologia sistemática e Vice-Reitor da Faculdade de Teologia, Ridley Hall da Universidade de Cambridge. São quase 400 páginas procurando identificar e interpretar temas teológicos na obra de Beethoven, Pierre Boulez, John Cage. Stravinsky e, naturalmente, Mozart. Begbie deixa de lado a música marcadamente associada com palavras, textos, narrativas ou liturgia e trata mais da música que possa colocar em relevo as propriedades peculiares dos sons musicais que ele deseja salientar e o modo distinto como os sons operam. Dentro disso, a área de concentração do autor é a temporalidade. “A música é uma arte temporal”. “A música nos oferece uma forma particular de participação na temporalidade do mundo e desse modo, ela tem a capacidade de evocar alguma coisa da natureza dessa temporalidade e nosso envolvimento na mesma”.

Em ambos os textos, não há nenhuma menção a Paul Tillich. Isso talvez sinalize para algo significativo: se Tillich de certo modo inaugurou a abordagem que veio a ser conhecida como “Teologia da Cultura”, hoje é necessário ir além dos postulados por ele erigidos. À luz dessas considerações, pretendo esboçar algumas idéias básicas do que considero ainda relevante na obra de Tillich, bem como apresentar minhas atuais suspeitas de suas limitações. Desenvolverei meu tema ilustrando com algumas canções da MPB:


1. Teologia da Cultura
Dentre as muitas contribuições de Tillich para a teologia contemporânea, acentuo seu reconhecimento da pertinência mútua entre religião e cultura. Desde o final do século 19 com o positivismo e Marx, as experiências religiosas sofriam ataques de vários flancos. Isso se acentuou no século XX com Freud e mesmo em correntes teológicas como a neo-ortodoxia de Barth. Tillich não apenas recuperou a dimensão positiva da vivência religiosa, como também ousou afirmar que a religião permeia todas as manifestações culturais. A religião é reconhecida por ele como elemento fundamental (substância) de toda cultura, e a cultura, por sua vez, seria o elemento formal da dimensão religiosa. Isso estava na contramão das tendências que preconizavam o fim da religião ou sua superação nas sociedades industriais secularizadas. Desse modo, Tillich ainda na sua fase alemã, já afirmava que toda grande obra de arte, toda filosofia importante, toda manifestação artística, é essencialmente religiosa porque manifesta a busca pelo absoluto.

A conseqüência dessa visão representou naquela época a “descoberta”, por assim dizer, de um novo campo a ser explorado pela teologia. A isso ele chamou “teologia da cultura” em contraste com a “teologia da igreja”. No início do século passado, Tillich já distinguia entre essas duas possibilidades do labor teológico. A “teologia da igreja” é aquela na qual todos nós fomos treinados. Visa a defesa e expansão da instituição religiosa e suas preocupações giram em torno de dogmas, doutrinas e práticas pastorais. O teólogo da igreja, devido á sua necessidade de lidar com assuntos internos da vida eclesiástica, será sempre mais conservador e seletivo. Tillich, porém, dizia que o teólogo da cultura, em contrapartida, não está preso às preocupações institucionais. É um observador atento do movimento vivo da cultura, e se mantém aberto aos múltiplos sinais da revelação. Se hoje isso pode parecer repetitivo, na época de Tillich tratava-se de um postulado revolucionário, pois afirmava que a revelação não está somente onde a igreja diz estar, mas mais além, nos lugares onde a igreja pouco se interessa a ir, nos cenários e figuras que pouco se interessa em contemplar e nos sons que pouco se interessa em ouvir. Desse modo, a teologia era libertada da tutela eclesiástica e do conseqüente isolamento em que se encontrava, em parte devido ás suas próprias restrições temáticas.


2. Metalogia
Na prática, Tillich incentivava os teólogos de sua época a ficarem atentos às perguntas levantadas pelo contexto em que viviam e que se manifestam através das artes. Essa proposta exigia um novo método de abordagem dos problemas e Tillich o denominou de “metalogia”, ou “método metalógico”. Em 1922 Tillich já anunciava que essa proposta metodológica seria capaz de garantir o aspecto objetivo, racional e crítico de toda pesquisa, mas também superá-lo ou complementá-lo. Servindo-se dos estudos de Rudolff Otto e da incipiente fenomenologia, Tillich propunha sintetizar a metodologia crítica com a intuitiva, reunindo-as num método que fosse, simultaneamente, crítico e intuitivo. O método metalógico se funda no método crítico dialético. Mas o transcende através da intuição das essências que não se dirige para as coisas particulares ou suas qualidades, nem se atém á forma individual. Antes, percebe as tensões e polaridades. Segundo Tillich, “o método crítico, bem como o intuitivo, são incapazes de resolver isoladamente o problema central da filosofia da religião e, por conseguinte, também o da filosofia da cultura – a saber, a questão do sentido último da realidade do real”. A complementaridade das duas perspectivas se faz necessária, porque o método crítico não é capaz de atingir a essência (Was) das coisas. O intuitivo, por sua vez, não consegue responder à questão da existência (daB) das coisas tal como aparecem na história”. A partir daí, a construção de um método crítico-intuitivo se impõe como exigência. O aspecto crítico consideraria as formas dadas na cultura, enquanto o intuitivo perguntaria por seu significado espiritual, o conteúdo substancial de cada forma.

A palavra “metalogia” guarda relações semânticas com “metafísica”. Assim como a metafísica pretendia ir além (meta) do físico, do sensorial, a metalogia que ir além (meta) da lógica. Não se trata de negar a lógica ou suprimi-la, mas de transcendê-la. E Tillich frisava que o pensamento lógico e racional é suficiente para dar conta apenas das conotações da forma, mas não é capaz de participar plenamente no significado do conteúdo, uma vez que esse tem aspectos “irracionais” ou “ilógicos”. Segundo ele, “a essência do método metalógico é projetar o elemento irracional dessas funções (intuição e fé) no interior da própria lógica, de modo que os conceitos “pensamento” e “ser” recebam um tom metalógico: o pensamento se identifica com a forma e o ser com o conteúdo. O pensamento expressa o elemento racional, estruturante e formal, enquanto o ser expressa o elemento irracional, vital e infinito, que constitui a profundidade e a força criativa de toda realidade.

Na metalogia, a intuição recebe peso considerável. A intuição não se dirige apenas às coisas particulares ou ás suas qualidades, mas ás tensões e polaridades que constituem o elemento verdadeiramente essencial do objeto estudado. Segundo Tillich, “a meta da metalógica é a intuição da dinâmica interna na estrutura da realidade significativa”. Desse modo Tillich rejeita o agnosticismo ontológico de Kant. A possibilidade de uma teologia da cultura repousa sobre a convicção fundamental de que o pensamento é capaz de ultrapassar as formas lógicas do sentido e tocar a profundidade infinita do conteúdo religioso do ser.

A perspectiva aberta por Tillich resultou em originais, criativas e ousadas abordagens teológicas de obras de arte, algo que Tillich começa a desenvolver já na Alemanha e continua nos Estados Unidos. Infelizmente, a maioria das pessoas conhece apenas o Tillich da Teologia Sistemática. Ali ele é “teólogo da Igreja”. Mas é impressionante a quantidade de textos pouco conhecidos de Tillich nos quais ele avalia obras de arte, sobretudo pinturas, mas também literatura e, em menor escala, a música. Com a teologia da cultura, Tillich buscou compreender melhor suas próprias experiências, justificá-las teologicamente e fazer com que as experiências estéticas de outras pessoas pudessem também ser qualificadas e reconhecidas como religiosas, na medida em que delas irrompe uma percepção do poder de ser, um abalo existencial que provoca sensíveis mudanças no sujeito que as vivencia.

Mas o que vem a ser a experiência estética para ele? Sempre que Tillich relata o que viveu diante do quadro de Botticelli, está presente a idéia de “choque”. Experiência estética é o choque provocada por uma obra de arte no sujeito que se depara sensorialmente com ela. Quando Tillich fala em experiência, tem sempre em mente um elemento de abalo, de choque recebido “de fora” do sujeito, e essa experiência, para ele, corresponde à idéia de revelação. A experiência estética se caracteriza por ser intuitiva e não conceitual. Os sentidos são o primeiro canal de recepção. Só depois de passar pela via sensorial é que o sujeito submete a experiência recebida às categorias conceituais e classifica a obra de acordo com seus padrões de beleza. Em Filosofia da Religião, Tillich diz que em cada experiência estética o sentido incondicional “vibra” e que todo sentimento estético é um sentimento transcendente.


3. Abertura ao mistério
Esse é outro ponto que julgo muito valioso na obra de Tillich. Ao contrário do que muitos pensam, não o considero um teólogo racionalista. Ele era profundamente aberto aos mistérios que povoam o mundo e que muitos teólogos tentam dessacralizar. Tillich viveu intensamente essa tensão entre mistério e as tentativas de explicar o mistério. Mas, pelo pouco que conheço de sua obra, nunca cedeu à tentação de racionalizar o mistério, pois esse sempre reaparece, como diz Gilberto Gil: “mistério sempre há de pintar por aí”:

Uma canção pouco conhecida de Gilberto Gil talvez possa ilustrar essa idéia. Ela fala dos milagres que ocorrem num santuário de peregrinação do Nordeste. Eu quase ia escrevendo “os milagres que supostamente ocorrem...” Lembrei-me, porém, que a Teologia lida sempre com o mistério e qualquer tentativa de racionalizar o mistério é uma afronta em si à sua sacralidade. Como ocorre em toda religiosidade popular, coisas fabulosas e misteriosas são narradas sem que recebam explicações científicas plausíveis. Por isso, acabam permanecendo no nível do mito, que Tillich sempre preservou e valorizou:

XOTE (Gilberto Gil/Rodolfo Stroeter)

Foi quando a chuva fez a curva no horizonte
Deixando o monte da viúva sem molhar
Que eu me dei conta que a santa lá da fonte
Ficou três dias sem beata pra rezar


Ficou três dias sem beata pra cantar
A cantoria que há dez anos todo dia vem cantar
As rezadeiras todas filhas de Maria
Muitas vindas da Bahia com promessas pra pagar
Rezadeiras, todas filhas de Maria
Todas elas com um bocado de promessas pra pagar

Aquela fonte permanece desaguando
De um milagre que há dez anos acontece no lugar
Ela não brota de uma grota, de uma pedra
Nunca medra como qualquer fonte costuma medrar
Bem na catinga onde quase nunca pinga
Nessa fonte sempre chove todo dia sem falhar

Esse fenômeno de fato inusitado
Parece que é provocado pela firme devoção
Das rezadeiras que vêm sempre em romaria
De Alagoas, Pernambuco, Paraíba e região
Mas todos sabem, se a oração não principia
Com uma moça da Bahia
Então chover não chove não

Algumas moças rezadeiras que vieram
De outros lugares sem ligar pra tradição
Cantaram tudo, tudo tudo que puderam
Mas nos três dias não choveu no lajedão
Nesses três dias sem as moças da Bahia
Pra cantar a cantoria todo mundo percebeu
Não adianta, pirulito é pirulito, piriquito é piriquito
Mito é mito e Deus é Deus


4. Tema e Estilo – Possibilidades e limites da abordagem referencial
Pretendo sugerir a seguir algumas possibilidades de aproximação entre a Teologia da Cultura de Tillich e canções da MPB além das já descritas em meu livro “Teologia e MPB”.

Em Existentialist Aspects of Modern Art, Tillich elabora quatro categorias para falar dos níveis de relação entre arte e religião. Os conceitos-chave são “tema” e “estilo”. “Tema” tem a ver com os referenciais explícitos de uma obra de arte. Esses, em geral já são dados pelo próprio artista ao batizar sua criação. A partir daí, a pessoa que irá apreciar a obra de arte (seja um quadro, uma escultura ou música), já se aproxima da obra com um certo condicionamento. “A paixão de são Mateus” de Bach traz temática explicitamente cristã e é impossível fugir desse referencial óbvio. Do mesmo modo, “A Sagração da Primavera” de Stravinsky é subdividida em partes cujos títulos são extraídos das antigas religiões pré-cristãs da Europa. O referencial temático pode, em princípio, criar simpatia ou antipatia no ouvinte antes mesmo de ouvir a música. Em todo caso, é impossível fingir que o tema não existe. Ele está lá – dado pelo artista.

Mas para Tillich, se o referencial temático é importante, ele não é determinante para qualificar a importância religiosa da obra de arte. Para tanto, o que mais pesa é o “estilo”, ou seja, o poder que a arte tem de expressar com vitalidade, coragem e originalidade, o tema proposto. Há aqui nítida herança da apreciação de Tillich pelo expressionismo temperada por tons existencialistas. Não é, portanto, o tema que caracteriza uma arte como religiosa, mas sim o estilo e o conteúdo substancial “inconscientemente presente numa cultura, num grupo e num indivíduo, dando a paixão e o poder diretivo àquele que cria, bem como o significado e o poder de sentido a suas criações”. Desse modo, pode haver, para ele, obras com “tema religioso e estilo não-religioso” ou obras com “tema não-religioso e estilo religioso”. Estabelece-se assim, um gradiente segundo o qual as obras mais completas, por assim dizer, seriam as que manifestam conjuntamente “tema e estilo religiosos”.

A partir daí, Tillich considera “Guernica” de Picasso, uma obra de arte “tipicamente protestante”, não por seu tema, mas pelo seu estilo. O tema é o bombardeio do vilarejo de Guernica. Mas a originalidade da desintegração das formas nunca antes apresentadas determinaria, para Tillich, o “estilo religioso” de Guernica. Talvez Picasso nunca tenha pensado em produzir uma obra “protestante”. Mas isso pouco importa para Tillich, pois para ele, o poder religioso do protesto profético será sempre expressão do “princípio profético”. Nessa lógica, a canção “Burguesia” seria uma atualização brasileira do protesto próprio dos expressionistas alemães da década de 20. Seria uma obra com “tema não-religioso” e “estilo religioso”:


BURGUESIA (Cazuza/George Israel/Ezequiel Neves)

A burguesia fede, a burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia não vai haver poesia

A burguesia não tem charme nem é discreta
Com suas perucas de cabelos de boneca
A burguesia quer ser sócia do Country
Quer ir a Nova York fazer compras
Pobre de mim que vim do seio da burguesia
Sou rico, mas não sou mesquinho,
Eu também cheiro mal, eu também cheiro mal...

A burguesia tá acabando com a Barra
Afundam barcos cheios de crianças
E dormem tranqüilos, e dormem tranqüilos
Os guardanapos estão sempre limpos
As empregadas uniformizadas
São caboclos querendo ser ingleses...

A burguesia não repara na dor da vendedora de chicletes
A burguesia só olha pra si, a burguesia só olha para si
A burguesia é a direita, é a guerra... (...)

No meu livro sobre Teologia e MPB, defendo que a juventude brasileira não é irreligiosa como se pensa. Sentimentos de culpa e consciência das limitações estão muito presentes nas canções do rock brasileiro. Uma delas eu já utilizei em liturgias no momento da confissão de pecados. É uma canção que não apenas lamenta os pecados coletivos, mas se reconhece como participante desses pecados ao dizer no final: “somos iguais em desgraça”. Digno de nota aqui é a insistência na palavra “Coragem”, algo que Tillich muito enfatizou no livro “A Coragem de Ser”. Teríamos então uma canção com estilo e tema religiosos:


BLUES DA PIEDADE (Frejat/Cazuza)

Agora eu vou cantar pros miseráveis
Que vagam pelo mundo derrotados

Pra essas sementes mal plantadas
Que já nascem com cara de abortadas

Pras pessoas de alma bem pequena
Remoendo pequenos problemas
Querendo sempre aquilo que não tem

Pra quem vê a luz, mas não ilumina suas mini-certezas
Vive contando dinheiro e não muda quando é lua cheia

Pra quem não sabe amar
Fica esperando alguém que caiba no seu sonho
Como varizes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada

Vamos pedir piedade, Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade, Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem

Quero cantar só pras pessoas fracas
Que estão no mundo e perderam a coragem
Quero cantar o blues com o pastor e o bumbo na praça

Vamos pedir piedade, pois há um incêndio sobre a chuva rala
Somos iguais em desgraça
Vamos cantar o blues da piedade...

A coragem de afirmar a vida também é cantada pelo grupo Titãs em “O pulso ainda pulsa”, canção que encara com ousadia a tênue linha que separa vida e morte, insistindo em posicionar-se confiantemente e com coragem ao lado da primeira. A letra é recheada de substantivos que descrevem imensa gama de doenças que afetam o ser humano. Os autores põem em pé de igualdade como ameaças à qualidade de vida, tanto as doenças mais diretamente orgânicas como as manifestações inorgânicas (raiva, ciúmes, hipocrisia, culpa). O único verbo da canção (“pulsar”) está diretamente associado aos sinais de vida identificados quando se “toma o pulso” de alguém. Durante toda a canção ouve-se ao fundo o som ininterrupto de um aparelho médico. Embora não haja nenhum tema diretamente religioso, encontramos o enfrentamento corajoso da morte que nos ronda diariamente e a afirmação igualmente ousada da esperança de que as ameaças descritas não impeçam o pulso de continuar a pulsar. Essa canção se enquadraria na tipologia que Tillich denominou “Estilo religioso e tema não-religioso”.


O PULSO AINDA PULSA (Arnaldo Antunes/Titãs)

Peste bubônica, câncer, pneumonia,
Raiva, rubéola, tuberculose, anemia
Rancor, cisticercose, caxumba, difteria,
Encefalite, faringite, gripe, leucemia
E o pulso ainda pulsa...

Hepatite, escarlatina, estupidez, paralisia
Toxoplasmose, sarampo, esquizofrenia,
Úlcera, trombose, coqueluche, hipocondria,
Sífilis, ciúmes, asma, cleptomania,
E o corpo ainda é pouco

Reumatismo, raquitismo, cistite, disritmia,
Hérnia, pediculose, tétano, hipocrisia,

Brucelose, febre tifóide, arteriosclerose, miopia
Catapora, culpa, cárie, câimbra, lepra, afasia,
E o pulso ainda pulsa

É possível identificar na cultura brasileira diversas canções relacionadas diretamente a temáticas religiosas. Vasto campo está na cristologia, desde as conhecidíssimas “Jesus Cristo, eu estou aqui” de Roberto Carlos e “O homem de Nazaré”, de Antônio Marcos. Essas talvez sejam mais conhecidas e eventualmente são entoadas em igrejas porque o Cristo ali representado é o Cristo que não protesta. Mas há outras que merecem ser redescobertas, como a ainda a clássica “Cidadão”, a pérola “O último julgamento”, de Léo Canhoto e Robertinho ou a antiga “Procissão”, de Gilberto Gil. Além da temática cristológica, encontramos também a mariologia. Embora tenha no protestantismo clássico, onde há pouco espaço para a figura de Maria, confesso que foi através de uma canção antiga de Raul Seixas que minha sensibilidade foi despertada para apreciar a figura de Maria. Raul Seixas sempre foi muito mal visto por grupos religiosos católicos e protestantes. Contudo, é impressionante a quantidade de canções com temática religiosa em seus álbuns. Escolhi apenas uma, com temática mariológica. Aliás, algum tempo atrás fui ao show de um cover do Raul Seixas num bar underground. A pista de dança estava lotada por adolescentes e jovens, que ainda engatinhavam quando o cantor faleceu. Todos dançavam com muito vigor. Porém, no momento em que foi tocada “Ave Maria da rua”, percebi em algumas pessoas manifestações quase extáticas de devoção. A canção foi entoada por todos os presentes com um misto de reverência e não foram poucos os que levantavam as mãos para o céu, talvez porque o próprio andamento crescente da melodia que começa apenas com o som do piano e a cada estrofe recebe novos instrumentos e coral sugere um clima de progressiva exaltação. Eis a letra:


AVE MARIA DA RUA (Raul Seixas/Paulo Coelho)

No lixo dos quintais, na mesa do café
No amor dos carnavais, na mão, no pé
Tu estás, tu estás, no tapa e no perdão
No ódio e na oração

Teu nome é Iemanjá, que é Virgem Maria
É Glória e é Cecília, na noite fria
Minha mãe, minha filha, Tu és qualquer mulher,
Mulher em qualquer dia

Bastou o teu olhar pra me calar a voz
De onde está você rogai por nós
Minha mãe, minha mãe,
Me ensina a segurar a barra de te amar

Não estou cantando só, cantamos todos nós
Mas cada um nasceu com a sua voz
Pra dizer, pra falar, de forma diferente
O que todo mundo sente

Segure a minha mão quando ela fraquejar
E não deixe a solidão me assustar
Minha mãe, nossa mãe,
E mata a minha fome nas letras do teu nome
(nas glórias do teu nome)

Há na MPB também canções que resvalam na escatologia, como “Um índio”, de Caetano Veloso ou a pouco conhecida “Do terceiro milênio para a frente”, de Zé Ramalho:


DO TERCEIRO MILÊNIO PARA A FRENTE (Zé Ramalho)

Quando o último adeus desse milênio
Despedir-se de toda a humanidade
Descerá uma grande novidade
Entre átomos, ions e hidrogênio
Nascerá desse todo um grande gênio
Com enorme cultura diferente
Ensinando pra todos claramente
O porquê de uma causa ter efeito
Estará nosso mundo desse jeito
Do terceiro milênio para a frente

Podem crer que daqui a uns cem anos
Automóveis não queimam gasolina
Não há mais reatores nem turbinas
Provocando ruídos desumanos
Nesse tempo os norte-americanos
É que pedirão dinheiro para a gente
Nós faremos com eles prontamente
Tudo quanto conosco eles tem feito
Estará nosso mundo desse jeito
Do terceiro milênio para a frente

Em dois mil e quinhentos, mais ou menos
Há mudança geral em toda parte
Os humanos escrevem para marte
Pegam táxi aéreo para Vênus
Já os grandes não zombam dos pequenos
Porque o mundo só terá um presidente
Que vai unir ocidente e oriente
Sem senado, sem câmara, sem prefeito

Estará nosso mundo desse jeito
Do terceiro milênio para a frente

Algum tempo atrás comecei a pesquisar o diabo na Música Popular Brasileira. Os resultados parciais podem ser encontrados em meu artigo “Imagens do diabo na MPB” e exemplifica também as possibilidades abertas pela abordagem referencial que considera a temática explícita e imediata das canções.


5. Para além da abordagem referencial
É certo que a estética de Tillich recebeu posteriormente algumas avaliações críticas que merecem destaque. Por exemplo, ele privilegiava as manifestações artísticas mais relacionadas à elite e menos as nascidas ou reproduzidas em ambientes populares. Nesse sentido, é grande sua proximidade com Adorno. Outras críticas à sua concepção estética referem-se ao fato de ele ter permanecido prisioneiro de uma estética romântica e funcionalista, não acompanhando os avanços da crítica de arte contemporânea que se propõe a avaliar a obra de arte por si mesma, pelo que ela é em si e não pelo que ela supostamente teria a expressar.

Outra crítica relacionada a essa, mas talvez ainda mais dura seja a de que Tillich servia-se da realidade artística para justificar seu sistema teológico e filosófico. Trabalhando com categorias ontológicas, Tillich teria tentado – em vão, segundo alguns – elaborar uma síntese entre filosofia e teologia fadada ao fracasso. Conseqüentemente, o que importaria para Tillich seria adequar a estética a seu projeto de síntese entre cultura e religião. Tillich apreciaria as obras de arte, então, não pela qualidade de sua estrutura, mas pelo poder de veicular a mensagem do Novo Ser. Naturalmente, esse é um risco muito grande às interpretações teológicas de obras de arte. Creio que aqui reside o desafio para nossa superação de Tillich. Precisamos encontrar nova maneira de falar das canções e das poesias evitando interpretações unívocas, pois a obra de arte é sempre uma obra aberta a múltiplas interpretações. Talvez Mário Quintana esteja correto quando alertava que devemos tomar cuidado ao interpretar poesias, porque a poesia “sempre diz outra coisa” e as metáforas nem sempre requerem explicações, mas solicitam apreciação. Uma canção de Gilberto Gil talvez possa nos ajudar a considerar isso:


METÁFORA (Gilberto Gil)

Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz “lata”
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz “meta”
Pode estar querendo dizer o incabível

Por isso não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudo e nada cabem
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha a caber o incabível

Deixe a lata do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa

Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora

Quando elaborou o projeto de Teologia da Cultura em sua fase de docência na Alemanha, Tillich parecia muito otimista quanto à possibilidade de a arte oferecer respostas às perguntas levantadas pela situação cultural. Posteriormente, nos Estados Unidos, esse otimismo diminuiu, talvez devido à segunda guerra mundial e a outros fatores. A arte continuava a ter poder revelatório, mas a tendência é identificar nas manifestações culturais apenas um questionamento sobre os limites da experiência humana, mas incapaz de ser respondido em si mesmo sem o auxílio dos símbolos da tradição cristã. O tom é outro e transparece nele certo desapontamento e melancolia. A cultura ainda é capaz de levantar questões significativas, mas incapaz de respondê-las a partir de seus próprios recursos ou fontes. Tal cautela, porém, não afeta sua crença de que a substância espiritual reside nas profundezas da sociedade e naturalmente, sempre havia a possibilidade de uma obra de arte veicular com expressividade os símbolos da tradição cristã.


6. Momentos de beleza
Talvez uma possibilidade de ir além de Tillich esteja em um de seus próprios escritos. Trata-se do pequeno artigo “Um momento de beleza”, escrito em 1955, no qual Tillich recorda o choque revelador com uma das Madonnas de Botticelli. Segundo ele, aquele foi um momento de êxtase que o transportou espiritualmente a uma esfera de sentido e criatividade e em que teve a oportunidade de contemplar na beleza da pintura a “Beleza-em-si” (Beauty itself). Ele diz ter ficado paralisado, impressionado por perceber que algo do fundamento divino de todas as coisas lhe fora revelado. Afirma que tal experiência lhe devolveu a alegria da vida e conclui: “Aquele momento afetou toda minha vida, deu-me as chaves para a interpretação da existência humana, trouxe vitalidade e verdade espiritual. Eu o comparo com o que é usualmente chamado de revelação na linguagem religiosa”.

Importante aqui é destacar dois substantivos contidos no título do seu artigo-depoimento. O primeiro é “momento”, e o segundo, “beleza”. Devido às circunstâncias pessoais (retorno da guerra onde vivera experiências trágicas de convívio com a morte, fim do primeiro casamento, desintegração pessoal e social e conseqüente ausência de esperanças), Tillich encontrava-se bastante fragilizado. Esse era seu “momento” de vida. É natural que em tais circunstâncias, qualquer pessoa busque uma “resposta”, uma abertura de fresta entre as nebulosas e sombrias cortinas nos quais se sente encerrado. O encontro com a Madonna de Botticelli lhe proporcionou algo até então não experimentado – exatamente “um momento de beleza”, de transfiguração em meio à feiúra das tragédias pessoais e sociais com as quais convivia. De fato, aquele “momento” foi decisivo, mesmo que futuramente a situação política e social tenha piorado com a ascensão do nazismo. Tillich conviverá, então, com a “lembrança” do êxtase e talvez até mesmo pretendesse armar sua tenda particular diante daquela transfiguração, tal como fizeram os discípulos na conhecida narrativa dos evangelhos. Não sendo isso possível, ele tentará perpetuar o “momento” através de categorias filosóficas e teológicas, elaborando um quadro de pensamento no qual o “momento” poderia ser resgatado em outras ocasiões. Trata-se de tentação comum á experiência humana. Dificilmente nos contentamos em desfrutar o “momento” de um concerto ou a contemplação de um quadro. Nossa tendência é procurarmos o CD para ouvirmos o concerto em casa ou comprarmos a reprodução desauratizada e passamos a viver a lembrança do “momento” que passou. Raramente a “beleza” experimentada naquele “momento” inicial acompanhará o CD ou a reprodução. Mas tais objetos, ao menos servirão para amenizar a saudade e provocar novas emoções.

“Beleza” é um conceito filosófico perigoso. A estética criou historicamente padrões para avaliar objetivamente uma obra de arte medindo e definindo suas proporções, equilíbrio, harmonia” (nas formas ou nos sons), segundo os quais estabelece gradientes para classificar o belo e o não-belo. Herbert Read critica as utilizações desse conceito e afirma que o mesmo só terá sentido se a ele for acrescentado o de “vitalidade”, idéia semelhante ao conceito de “expressividade” em Tillich. Read dirá que “a singularidade é reduzida ao momento em que esses fatores (beleza e vitalidade) são reunidos e projetados da consciência de uma pessoa. É o acontecimento que é excepcional: a maneira, não a matéria”. Se Tillich buscava “respostas” ao retornar do front, de certo modo ele encontrou em um “momento de beleza”, ainda que tal resposta tenha sido fugidia, passageira e tênue. Sua tentação foi perpetuar seu particular “momento de beleza” generalizando-o e tentando explicá-lo a partir de sua formação teológica e filosófica.

A arte, de fato, não oferece “respostas” permanentes. Ela nos provoca, mexe com nossas emoções, nos invade, nos deixa boquiabertos, atinge nossas emoções e nos abala. As pessoas têm formação mais técnica nos detalhes e categorias estruturais da estética desfrutam a arte a seu modo. O músico profissional é capaz de identificar pequenas desafinações nos acordes iniciais da “Valsa das flores” ou lamentar a desproporcionalidade de formas pintadas ou esculpidas que, num primeiro momento, não são visíveis ou audíveis ao expectador comum. Mas o “momento de beleza” está ali, fugidio, incomensurável, incapaz de ser aprisionado, mas sempre oferecido como dádiva a ser desfrutado.

A a Teologia da Cultura é um vasto campo ainda a ser desbravado porque o dinamismo da produção cultural humana é muito rápido. Naturalmente não estou falando aqui dos modismos da indústria cultural, mas das muitas expressões revelatórias que nos são veiculadas através de poetas e compositores que, com seu sacerdócio e seus dons, são capazes de revelar a pequenez e fragilidade humanas e nos motivar a enfrentar a transitoriedade e a prestar constas ao transcendente. A atualidade do pensamento de Tillich nessa área talvez esteja exatamente no desafio que ele nos faz e nas pistas que nos oferece. Termino com uma canção para nossa apreciação, gravada por Milton Nascimento durante o show “Tambores de Minas”. Quando ouvi essa canção pela primeira vez também confrontado com “um momento de beleza”. Ela estava ali. Talvez ela não volte, ou retorne de outras formas. Mas sua lembrança se impregnou em mim como “grata memória”:


GUARDANAPOS DE PAPEL (Leo Masliah)

Na minha cidade tem poetas, poetas
Que chegam sem tambores nem trombetas ,trombetas
E sempre aparecem quando menos aguardados, guardados
Guardados entre livros e sapatos, em baús empoeirados

Saem de recônditos lugares, nos ares, nos ares
Onde vivem com seus pares, seus pare, seus pares
E convivem com fantasmas multicores de cores, de cores
Que te pintam as olheiras e te pedem que não chores.

Suas ilusões são repartidas, partidas
Partidas entre mortos e feridas, feridas, feridas
Mas resistem com palavras confundidas, fundidas
Fundidas ao seu triste passo lento
Pelas ruas e avenidas

Não desejam glórias nem medalhas, medalhas, medalhas
Se contentam com migalhas, migalhas, migalhas
De canções e brincadeiras com seus versos dispersos, dispersos
Obcecados pela busca de tesouros submersos

Fazem quatrocentos mil projetos, projetos, projetos
Que jamais são alcançados, cansados, cansados
Nada disso importa enquanto eles escrevem, escrevem, escrevem
O que sabem que não sabem e o que dizem que não devem

Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas
Como se fossem cometas, cometas, cometas
Num estranho céu de estrelas idiotas e outras, e outras
Cujo brilho sem barulho veste suas caudas tortas

Na minha cidade tem canetas, canetas, canetas
Esvaindo-se em milhares, milhares, milhares
De palavras retorcendo-se confusas, confusas, confusas
Em delgados guardanapos feito moscas inconclusas

Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
que eles vêem nos vão dizendo, dizendo
E sendo eles poetas de verdade
Enquanto espiam e piram e piram
Não se cansam de falar do que eles juram que não viram

Olham para o céu esses poetas, poetas, poetas
Como se fossem lunetas, lunetas, lunáticas
Lançadas ao espaço e o mundo inteiro, inteiro, inteiro
Fossem vendo pra depois voltar pro Rio de Janeiro

* O autor é doutor em Ciências da Religião pela UMESP e diretor do Centro de Estudos Anglicanos, sediado em Londrina, Paraná.


SIGURDSON, Ola. ?”Cantos do desejo: sobre música pop e a questão de Deus”. Concilium 289. Petrópolis, Vozes, 2001, p. 37ss.

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TILLICH, Paul. On Art and Architecture (edited by John and Jane Dillenberger). New York , Crossroad, 1987, p. 235.

READ, Herbert. Arte e alienação – o papel do artista na sociedade. Rio de Janeiro, Zahar, 1983, p. 63.

Rev. Carlos Eduardo Brandão Calvani é padre da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, tive o privilégio de tê-lo como professor em minha graduação em Teologia.